Índice

Cooperativa APC

2

 

 

Ciclídeo Notícias

3

 

 

Renovação de quotas

3

 

 

Fotografia digital

4

por Rui V. Estrelinha

 

 

 

Hemichromis sp. FMBij2004

7

por Delfim Machado

 

 

 

Parto artificial de incubadores bocais

8

por Manuel Zapater

 

 

 

Selvagens

12

por Alfredo Figueiredo

 

 

 

Heros severus

14

por José L. Blanco

 

   
   

Editorial

por Paulo José Alves

Presidente da APC (#2)

 O  aproximar do Verão levará inevitavelmente muitos ciclidófilos a ficarem de novo algo apreensivos com a perspectiva de deixarem os seus peixes sós ou ”mal acompanhados”. Desdramatizemos a situação. Deixarmos os nossos amigos escamados por duas ou três semanas não tem de modo nenhum de nos deixar com receio do que vamos encontrar aquando do regresso. É verdade que, literalmente, alguns milhões de peixes de aquário morrem na Europa durante o Verão… mas está na nossa mão evitá-lo com algumas medidas simples. Primeiro, ter os peixes tratados de modo adequado, alimentados convenientemente, água bem filtrada e mudada regularmente, temperatura não extrema, assegurará à partida que temos exemplares vigorosos e saudáveis. Passar duas semanas sem comer para indivíduos como estes, falando de espécies de tamanho médio e grande, não constitui problema. No caso dos Malawi podemos mesmo descobrir que este jejum levou a que alguma das fêmeas tenha ovos na boca. Se quisermos ficar mais tranquilos podemos cerca de 10 dias antes da nossa partida dobrar a dose alimentar, dar duas vezes por dia em vez de uma. Limpar os filtros e fazer uma substancial mudança de água é também aconselhável. As espécies pequenas na sua maioria acusarão a falta de alimento, variando este impacto negativo de género para género. A falta de iluminação na sala onde estão os peixes e ainda mais do próprio aquário leva a que os peixes fiquem muito mais sossegados, gastando bastante menos energia e fazendo com que a temperatura seja um pouco mais baixa. Há claro a alternativa da pessoa bem intencionada a quem vamos pedir que passe por lá para dar de comer aos peixes. É aqui que pode entrar a “má companhia” a que me referi. Na maior parte dos casos trata-se de pessoas que nada percebem do assunto. Quer seja cá, nos Estados Unidos ou onde quer que seja, eles são responsáveis por hecatombes na população mundial de peixes de aquário durante o período de férias. Já ouvi muitas vezes em varias línguas e sobretudo em português a tristeza e também indignação de muitos que apesar de deixarem instruções bem explicitas deparam no seu regresso com a morte generalizada.

Esta situação não é inevitável. Claro, ter um amigo aquariófilo à mão de semear é o melhor que pode acontecer. Portanto começar a inquirir dentro da APC se há alguém conhecido que more perto. Mas mesmo um leigo não tem que se transformar no coveiro involuntário das nossa belezas. Basta que deixemos tudo muito claro no que concerne a regras.  A primeira de todas é limitar o numero de idas á nossa casa e assim limitar os possíveis estragos, duas vezes por semana é amplamente suficiente. A segunda é determinar rigorosamente a quantidade de comida a dar. De preferência dar-lhe um pequeno recipiente ou colher com a quantidade a dar. O principal erro é dar-se muita comida, “eles estavam sempre a pedir…” Se necessário, escrever de forma muito clara o que há a fazer ou até pôr Post it nos aquários com quantidades ou instruções no tratamento desse aquário. Lembrem-se que estas pessoas não estão “convertidas” como nós e a sua ignorância sobre o assunto é total. Tudo tem que ser explicado de modo a não deixar duvidas. As crias e algumas espécies de anões ressentem-se senão comerem todos os dias ou frequentemente, ter em atenção esses casos e instruir o nosso substituto de modo muito preciso para que esses espécimes não sofram com a falta de alimento ou com a falta de jeito do tratador… Uma maquina tipo alimentador automático é uma alternativa que tem os seus defensores e detractores e que com vários aquários é inadequada e/ou cara. Pensem com antecipação no assunto e decidam o melhor para os vossos peixes, eles merecem. ¥

 


Selvagens

Artigo e fotos de Alfredo Figueiredo; APC #29

Uma das grandes ambições do aquariofilista apaixonado pelo mundo natural, é, experimentar as suas espécies favoritas na versão original: selvagens. Descobrir hábitos alimentares de peixes que não conhecem alimentos processados, acompanhar particularidades do seu crescimento, assistir aos comportamentos reprodutivos de exemplares que não passaram pela criticável selecção artificial dos circuitos comerciais. Em suma, apreciar peixes moldados pela natureza que os viu e fez evoluir.

A primeira dificuldade que se coloca é onde conseguir os selvagens, neste caso do género Apistogramma. De facto, é raro encontrá-los, sendo preteridos a favor dos homólogos de cativeiro que geralmente são mais coloridos. Encontram-se por mero acaso e nem sempre nas condições ideais de saúde.

Fui ao encontro dessa experiência quando, numa visita de rotina, me deparei com alguns Apistogramma agassizii F0, que tinham chegado de Manaus, apelidados de Alenquer. Eram discretos, estavam debilitados e desnutridos, mas apostei em oito jovens, dois machos certos e seis ainda indiferenciados, na esperança de vir a obter dois casais.

 

Estava-lhes destinado um aquário de oitenta litros efectivos, que já tinha assistido à reprodução de outras espécies de Apistogramma. Cedo me surpreenderam: em três semanas, agarraram-se à vida, alimentaram-se copiosamente e começaram a desenvolver a coloração. No final deste período, contavam-se duas baixas, um balanço inegavelmente positivo dadas as condições à partida. As diferenças eram manifestas e os selvagens mostraram sempre um apetite voraz, dedicando arguta curiosidade e precavida atenção a qualquer movimento na coluna de água. São genuínos reflexos da escassez de alimento que enfrentam nos meios naturais.

A estratégia inicial passou pela tentativa de simular o típico harém dos Apistogramma, mas o trio seleccionado viveu dias instáveis e em conflito permanente, incluindo acentuada supressão na hora da alimentação. Assim, apesar de estar a enviesar a selecção natural, transformando-a em artificial, isolei dois, de sexos nitidamente diferentes, no mesmo aquário que estava bem guarnecido de esconderijos e locais de desova; como peixes-alvo, um cardume de Tetras. A modesta luz era atenuada pelas plantas flutuantes (Riccia fluitans) e a água amarelada mostrava os efeitos das madeiras que tentavam mimetizar o ambiente natural dos Alenquer. Os ácidos assim libertados mantinham o pH na marca dos 6,5 e a dureza nos 4ºd. A literatura recomenda uma água mais macia e uma acidez abaixo de 6,0, mas estava optimista.

Decorreram semanas de abundante alimentação que se fez acompanhar de crescimento sustentado, impressionante no macho e menos evidente na fêmea. Subi a temperatura habitual de 25 para 27º C e os dois tornaram-se hiperactivos. A fêmea não tardou a sedentarizar-se junto a um aglomerado de pedras porosas inertes, desprezando locais que outras espécies de Apistogramma tinham eleito, como a eficaz casca-de-côco perfurada.

A primeira desova apareceu dias depois sob a massa compacta de pedras, sinalizada pela mudança de coloração da fêmea que adquiriu o característico amarelado. No entanto, a coloração reprodutiva sofreu gradual atenuação ao fim de quatro dias, dando-se início a uma sucessão de desovas mal sucedidas que seguiam o esquema básico da primeira. Este processo durou dois meses.

Chegado o momento

Perguntava-me se a água seria suficientemente ácida para que tudo corresse bem. Acabei por mudar o esquema físico-químico com um regime de mudanças parciais de água que contemplava dois terços de água destilada. Aparentemente, o problema estava identificado pois a desova seguinte teve o melhor dos desfechos: o padrão amarelado da fêmea manteve-se muito para além do tempo habitual e nove a dez dias depois deu-se o primeiro passeio guiado da família mono parental. O macho, como é hábito nos Apistogramma, era mantido à distância pela super protectora fêmea, apesar de ter intensificado as investidas nos peixes-alvo.

Os pequenos foram mantidos com a mãe durante três semanas, tempo em que cresceram progressivamente, tendo ficado com o aquário por sua conta a partir dessa altura. Até aos dois meses, a evolução deu-se de forma saudável e equitativa; mas logo o cenário se alterou: um dos jovens descolou do comprimento médio dos Alenquer F1 e deu início a uma súbita escalada de tamanho, aumentando semanalmente em termos bem visíveis. Assumiu o comando do aquário e passou a exercer dominância total sobre os restantes jovens, por vezes com marcada agressividade. Ao fim do terceiro mês, media mais do dobro de qualquer outro juvenil, aproximadamente 3,5 cm.

Impunha-se a retirada do elemento sobre desenvolvido para garantir o crescimento harmonioso dos restantes. Depois desta intervenção, o grupo voltou a ser homogéneo e pacífico, sem problemas de coabitação. No entanto, semanas depois, o fenómeno repetiu-se, com um segundo macho a entrar num ciclo de crescimento de alto ritmo. E também este subjugou os outros juvenis.

Este curioso padrão de desenvolvimento do grupo de Alenquer mostrou-se exuberante nos machos, mas dissimulado nas fêmeas, ficando estas estagnadas no crescimento até muito tarde, o que corresponderá a 2 cm aos sete / oito meses de idade. Com a diferenciação de sexo, a territorialidade imposta por cada macho impossibilitou a continuação do modelo grupal; a separação por casais foi o caminho que se seguiu e tem permitido perpetuar o casal inicial. Como retoques futuros - a simulação das flutuações térmicas diurnas e a exposição do aquário a um espectro luminoso natural, podendo incluir a luz solar directa, ainda que em duração controlada. Em estudo fica a recriação do harém numa montagem generosa em termos de volume e de superfície.

A experiência com os Apistogramma agassizii Alenquer ilustra o alcance que um aquário pode ter e assim se aproximar consideravelmente de uma janela para o nosso curso de água favorito, tornando a aquariofilia uma autêntica descoberta do natural. ¥

 


Associação Portuguesa de Ciclídeos

Apartado 28 – 7300 Portalegre